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Ética e autonomia médica

A pandemia de covid-19 fez emergir dilemas éticos e debates sobre autonomia médica que marcaram profundamente a prática da medicina no Brasil. A ética médica, fundamentada no compromisso com o bem-estar e a dignidade do paciente, foi posta em xeque à medida que protocolos com tratamentos sem comprovação científica ganharam espaço na prática médica. Medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina foram amplamente prescritos durante a pandemia, muitas vezes sob o argumento de que a “autonomia médica” garantiria a liberdade de prescrição, mesmo na ausência de evidências científicas que comprovassem sua eficácia contra a covid-19. Essa prática persistiu mesmo após estudos robustos demonstrarem não apenas a ineficácia desses fármacos no tratamento da doença, mas também seus potenciais riscos à saúde.

A autonomia médica é um princípio essencial da prática clínica, assegurando ao médico a liberdade de conduzir decisões baseadas em sua consciência e nos interesses do paciente. Contudo, essa autonomia não é absoluta. Ela deve ser orientada por três pilares: o respeito à autonomia do paciente, o cumprimento das leis e a adesão ao conhecimento científico atual.

Durante a pandemia, vimos a distorção desse princípio, com médicos e instituições alegando “liberdade irrestrita” para justificar condutas antiéticas e respaldar interesses políticos, ignorando evidências científicas e colocando vidas em risco. Além disso, entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM) adotaram posturas controversas ao permitir e, por vezes, incentivar a prescrição de tratamentos sem base científica, em um momento em que uma ação coordenada e o compromisso com a ciência eram essenciais para salvar vidas. 

A crise sanitária revelou a necessidade urgente de fortalecer a formação ética dos profissionais de saúde, preparando-os para enfrentar dilemas complexos e resistir a pressões externas que possam comprometer a qualidade e a segurança do cuidado oferecido aos pacientes. A autonomia médica não pode ser usada como escudo para práticas irresponsáveis; ao contrário, deve ser o alicerce para decisões que salvam vidas e preservam a integridade da profissão.

Em um cenário de pandemia, o compromisso com a saúde baseada em evidências e com a ética médica deveria ter se sobreposto a interesses individuais ou políticos. No entanto, os registros reunidos neste acervo revelam a promoção de uma autonomia médica sem limites, desvinculada do rigor científico e dos princípios éticos. Essa postura, além de ter comprometido a confiança nas instituições de saúde e na prática médica, também pode ter contribuído para agravar o impacto da pandemia no Brasil, ampliando sua dimensão trágica.