Descrição
Em vídeo compartilhado no Facebook pelo senador Eduardo Girão, o prefeito de São Lourenço/MG, Walter José Lessa, que também é médico, defende a administração de “tratamento precoce” contendo ivermectina, azitromicina, dexametasona, zinco e vitamina D. Ele afirma que o tratamento zerou as internações e as mortes por covid-19 na cidade, embora os próprios dados divulgados pela prefeitura na data desmintam o prefeito.
Até essa data, registravam-se 295.425 óbitos pela covid-19.
Dados do site https://covid.saude.gov.br
Informações Gerais
Descrição
Em vídeo compartilhado no Facebook pelo senador Eduardo Girão, o prefeito de São Lourenço/MG, Walter José Lessa, que também é médico, defende a administração de “tratamento precoce” contendo ivermectina, azitromicina, dexametasona, zinco e vitamina D. Ele afirma que o tratamento zerou as internações e as mortes por covid-19 na cidade, embora os próprios dados divulgados pela prefeitura na data desmintam o prefeito.
Tipo da evidência
Formato
Agentes institucionais envolvidos
Número de óbitos registrados na época em que este fato aconteceu
295425
Dados da fonte de informação
Data da publicação
22 de março de 2021
Título original
Cidade de São Lourenço, em Minas, relata sucesso na luta contra o vírus
Fonte de coleta (Dados da fonte de informação)
Perfil do Senador Eduardo Girão
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O que diz a ciência
Conteúdo sobre o que diz a Ciência
Em um vídeo publicado pelo senador Eduardo Girão em suas redes sociais no dia 22 de março de 2021, Walter José Lessa, prefeito de São Lourenço, município de Minas Gerais, afirmou que o uso do chamado “tratamento precoce” — composto por ivermectina, dexametasona, zinco e vitamina D — teria evitado internações de pacientes na UTI por covid-19 na cidade. No entanto, dados divulgados pelo Hospital São Lourenço e pela própria Secretaria Municipal de Saúde desmentem o prefeito, contradizendo essa declaração.
Na legenda da publicação do vídeo, o senador Girão menciona que, em 16 de março de 2021, estavam há 20 dias sem internações na UTI. Contudo, uma reportagem do Portal G1 Sul de Minas, publicada em 19 de março, revelou que 100% dos leitos de UTI e 91% dos leitos de enfermaria do Hospital São Lourenço estavam ocupados. Portanto, no dia 22 de março, quando o vídeo foi divulgado, a realidade era de lotação máxima nas UTIs, contrariando as informações apresentadas pelo prefeito e pelo senador.
Os boletins diários sobre covid-19 publicados pela Secretaria Municipal de Saúde de São Lourenço no Facebook confirmam a situação relatada na reportagem do G1. Os registros mostram que as taxas de ocupação das UTIs não apenas não estavam zeradas no período mencionado, como atingiram 100% já no dia 16 de março. Nos dias 20 e 21 de março, a ocupação ultrapassou 100%, chegando a 105%. A situação permaneceu crítica até o final do mês, com taxas oscilando entre 105% e 110%. Em abril, a ocupação continuou elevada, variando entre 100% e 112%, evidenciando o colapso no sistema de saúde diante do aumento da transmissão do vírus.
Além da lotação das UTIs, o número de óbitos por covid-19 não foi zerado durante esse período. Pelo contrário, houve um aumento significativo de mortes. Em um comunicado publicado no Portal da Prefeitura de São Lourenço no dia 18 de abril de 2021, o secretário Municipal de Saúde destacou, durante reunião do Comitê Municipal de Enfrentamento ao Coronavírus, que “o momento requer cuidado, uma vez que o Hospital São Lourenço está com as UTIs cheias, e não queremos que a situação evolua para um colapso”. Outra publicação no portal, datada de 11 de abril de 2021, reforça a gravidade do cenário. Na ocasião, a prefeitura convocou médicos generalistas para atuar em regime de plantão no Ambulatório Municipal de Atendimento a Síndromes Gripais, devido ao “aumento no número de casos de contaminação e óbitos pelo vírus SARS-CoV-2”.
É importante ressaltar que o prefeito de São Lourenço insistiu em tratamentos que já eram comprovadamente ineficazes na covid-19. Em fevereiro de 2021, um ensaio clínico publicado na revista eClinicalMedicine (do grupo The Lancet) não observou diferença significativa na carga viral entre pessoas tratadas com ivermectina ou placebo. Já em março de 2021, um artigo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) concluiu que a ivermectina não possui efeito significativo na melhora clínica de pacientes com covid-19, pois não diminui o tempo de sintomas. Além disso, o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP) emitiu um alerta em janeiro de 2021 sobre a falta de comprovação de eficácia dos medicamentos que compunham o “tratamento precoce”. Em 2020, o mesmo Conselho havia elaborado uma nota técnica se manifestando contra o uso da ivermectina na covid-19, destacando que a ação antiviral observada in vitro não era alcançável in vivo e que o uso do medicamento poderia causar reações adversas. Em julho de 2021, um estudo publicado na revista BMC Infectious Diseases confirmou o que outros estudos já tinham concluído: a ivermectina não previne a internação por covid-19.
Desde 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) também se posicionou contra o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. As diretrizes de tratamento de covid-19 publicadas pela OMS em 30 de março de 2021 reforçavam que o uso de ivermectina na covid-19 deveria ocorrer apenas em contextos experimentais.
Sobre o uso de azitromicina, estudos robustos já mostravam, em março de 2021, que não havia justificativas para utilizar esse antibiótico no tratamento da covid-19, uma doença provocada por vírus. Um estudo publicado no The New England Journal of Medicine em julho de 2020 mostrou que o uso de hidroxicloroquina, sozinha ou com azitromicina, não reduzia a mortalidade em pacientes hospitalizados com covid-19. Ao contrário, o uso desses medicamentos foi associado a um maior risco de complicações cardiovasculares e hepáticas. Até mesmo a diretriz conjunta das entidades Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), publicada em julho de 2020, já colocava que o nível de evidência para a utilização de antibacterianos na covid-19 era muito baixo. Sendo que a recomendação era de usar medicamentos contendo antibacterianos apenas nos casos de coinfecção bacteriana com a covid-19. Essa mesma recomendação pode ser tirada a partir da conclusão de um estudo publicado em fevereiro de 2021 na revista The Lancet, que mostrou que o uso de azitromicina não reduziu a mortalidade nem melhorou a condição clínica de pacientes internados com covid-19.
Quanto à vitamina D, não havia (e ainda não há) evidências sobre seu papel no tratamento de infecções respiratórias como a covid-19. Embora a vitamina D seja importante para a saúde óssea, não há eficácia comprovada na prevenção ou tratamento de infecções. Na suposta data da gravação do vídeo do prefeito Lessa, já havia um consenso, de acordo com as evidências científicas disponíveis, de que a vitamina D não deveria ser utilizada para tratar a covid-19. Em 2022, um artigo que havia sido publicado em 2021 na revista Scientific Reports (do grupo Nature), sugerindo que a vitamina D poderia diminuir a inflamação em pacientes com covid-19, foi retratado devido a falhas metodológicas.
A suplementação com zinco também não se mostrou eficaz contra a covid-19. Embora, até aquele momento, outros estudos e o conhecimento acumulado já comprovassem isso, um ensaio clínico randomizado publicado em fevereiro de 2021 não encontrou benefícios do uso de zinco no tratamento da covid-19.
Os dados e as declarações apresentados demonstram que, ao contrário do afirmado pelo prefeito Walter José Lessa, a cidade de São Lourenço enfrentava um cenário crítico de lotação nas UTIs e registrava um aumento de casos e mortes por covid-19 durante o período em questão. Além disso, o “tratamento precoce” defendido pelo prefeito já era amplamente reconhecido como ineficaz pela comunidade científica, reforçando a importância de seguir diretrizes baseadas em evidências no combate à pandemia.
Fontes
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