Descrição
Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) de julho de 2020, emitido pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina (CRM-SC). Relatora responsável: Graziela Schmitz Bonin. Após consulta sobre a visão do CFM acerca do tratamento precoce sem eficácia comprovada na covid-19, o CRM-SC reitera a necessidade de proteção à autonomia do médico que considere adequado o emprego de tratamento medicamentoso precoce, desde que a decisão seja compartilhada entre médico e paciente.
Até essa data, registravam-se 87.618 óbitos pela covid-19.
Dados do site https://covid.saude.gov.br
Informações Gerais
Descrição
Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) de julho de 2020, emitido pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina (CRM-SC). Relatora responsável: Graziela Schmitz Bonin.
Após consulta sobre a visão do CFM acerca do tratamento precoce sem eficácia comprovada na covid-19, o CRM-SC reitera a necessidade de proteção à autonomia do médico que considere adequado o emprego de tratamento medicamentoso precoce, desde que a decisão seja compartilhada entre médico e paciente.
Tipo da evidência
Formato
Agentes institucionais envolvidos
Número de óbitos registrados na época em que este fato aconteceu
87618
Dados da fonte de informação
Data da publicação
27 de julho de 2020
Título original
PARECER CONSULTA Nº 042/2020: COVID-19 / TRATAMENTO / MEDICAÇÃO /MINISTÉRIO DA SAÚSE / SUS
Fonte de coleta (Dados da fonte de informação)
Site do Conselho Federal de Medicina (CFM)
Link para o material original
O que diz a ciência
Conteúdo sobre o que diz a Ciência
A pandemia de covid-19 no Brasil fez surgir debates importantes sobre a condução de tratamentos médicos, em especial no que tange à relação entre a autonomia médica e a liberdade irrestrita de prescrição de medicamentos (principalmente aqueles sem evidência comprovada para determinada doença). O parecer emitido pelo Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC) em julho de 2020, que defendia a liberdade dos médicos em prescrever o chamado “tratamento precoce” para a covid-19, mesmo diante da ausência de evidências científicas sólidas, exemplifica essa relação.
O parecer, ao respaldar a prescrição de medicamentos como a hidroxicloroquina e a cloroquina, baseando-se na “autonomia médica” e na necessidade de uma decisão compartilhada entre médico e paciente, desconsiderou a importância de basear as decisões clínicas em evidências científicas sólidas, já que o uso de hidroxicloroquina e cloroquina para o tratamento da covid-19 já havia sido documentado em diversos estudos científicos como ineficaz.
Desde 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a comunidade científica alertavam sobre a baixa qualidade das evidências que sustentavam o uso desses medicamentos no tratamento da covid-19. Em maio de 2020, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), vinculada à OMS, divulgou uma revisão rápida das evidências disponíveis até aquele momento sobre o uso de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento da covid-19. O documento destacou a ausência de comprovação científica robusta quanto à eficácia desses medicamentos contra o novo coronavírus. Um estudo publicado na The New England Journal of Medicine sobre o uso de hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina para a covid-19, concluiu que essas terapias não melhoraram o estado clínico dos pacientes com covid-19 leve a moderada em comparação com o tratamento padrão (suporte ventilatório e oxigenação). Além disso, o estudo observou efeitos colaterais, como alterações cardíacas (prolongamento do intervalo QT, o que pode levar a arritmias) e hepáticas. Na época da publicação do parecer do CFM já havia sido publicada também no Brasil uma diretriz elaborada conjuntamente pela Sociedade Brasileira de Infectologia e pela Sociedade Brasileira de Pneumologia apontando que os medicamentos do “tratamento precoce” não eram efetivos na covid-19. Mesmo com evidências científicas mostrando a não efetividade da droga para a doença em questão e com todos os riscos potenciais relacionados aos eventos adversos do uso desses medicamentos, o CFM manteve seu parecer.
Mais tarde, em 2025, houve a retratação de um estudo que embasou a utilização da hidroxicloroquina na covid-19 e que tinha sido publicado em 2020 na revista International Journal of Antimicrobial Agents. O artigo desse estudo liderado por Didier Raoult foi removido da revista devido à má conduta científica. Na época da publicação, a comunidade científica já apontava falhas metodológicas significativas nas pesquisas que apoiavam o uso dessas substâncias. O acúmulo de problemas na metodologia experimental dos estudos que embasaram o uso de hidroxicloroquina e cloroquina na covid-19, além da ausência de uma revisão por pares rigorosa em alguns estudos publicados em preprint, já deveria ter sido suficiente para rejeitar o uso na covid-19, em 2020.
Embora o CFM se ampare na autonomia médica para permitir os tratamentos sem eficácia comprovada, é imprescindível destacar que a autonomia médica é um princípio fundamental, mas ela não pode ser utilizada como justificativa para a prática de medicina não baseada em evidências. No Código de Ética Médica, a autonomia é um princípio que garante ao médico a liberdade de decidir sua conduta com base em seus conhecimentos e valores. No entanto, essa autonomia não é absoluta, pois as decisões médicas devem ser guiadas por princípios legais, pela autonomia do paciente e, principalmente, pelas evidências científicas disponíveis. Na prática, a autonomia médica deve proteger o direito do profissional de atuar de acordo com sua consciência, desde que suas condutas não prejudiquem o paciente e respeitem sua dignidade e autonomia. Quando um médico baseia suas decisões em evidências científicas fracas, ignora as evidências robustas que contrariam suas decisões e ignora alertas da comunidade científica e médica, há de se considerar que o princípio ético de não prejudicar o paciente não está sendo respeitado. No entanto, a decisão do CFM não considera infração ética o uso de medicamentos sabidamente sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19. Essa postura pode ter colaborado para ampliar a desinformação acerca da covid-19 e minar a confiança na ciência, prejudicando o controle eficaz da pandemia no Brasil.
Fontes
Cavalcanti AB et al. Hydroxychloroquine with or without azithromycin in mild-to-moderate covid-19. New England Journal of Medicine. 2020. | Falavigna M et al. Diretrizes para o tratamento farmacológico da covid-19. Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Rev Bras Ter Intensiva. 2020. | Fihn SD et al. Caution needed on the use of chloroquine and hydroxychloroquine for coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open. 2020. | Nota Pública: CNS alerta sobre os riscos do uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. 22 mai 2020. | Notice of retraction. Gautret P et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of covid-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents. 2020 | PAHO, Pan American Health Organization. Covid-19: Chloroquine and hydroxychloroquine research. Rapid Review, 8 mai 2020.