Descrição
Em live promovida pelo pastor Silas Malafaia, Luciana Cruz vai contra as evidências científicas e defende a utilização de tratamento precoce, afirmando equivocadamente que a maior parte das terapias existentes na medicina não tem comprovação científica. A médica ainda ignora a própria bula da hidroxicloroquina ao afirmar que não há relatos de perigos envolvendo a utilização desse medicamento.
Até essa data, registravam-se 84.082 óbitos pela covid-19.
Dados do site https://covid.saude.gov.br
Informações Gerais
Descrição
Em live promovida pelo pastor Silas Malafaia, Luciana Cruz vai contra as evidências científicas e defende a utilização de tratamento precoce, afirmando equivocadamente que a maior parte das terapias existentes na medicina não tem comprovação científica. A médica ainda ignora a própria bula da hidroxicloroquina ao afirmar que não há relatos de perigos envolvendo a utilização desse medicamento.
Tipo da evidência
Formato
Atores envolvidos
Agentes institucionais envolvidos
Número de óbitos registrados na época em que este fato aconteceu
84082
Dados da fonte de informação
Data da publicação
23 de julho de 2020
Título original
COVID-19 - TRATAMENTO PRECOCE SALVA VIDAS
Fonte de coleta (Dados da fonte de informação)
Canal Silas Malafaia Oficial
Link para o material original
O que diz a ciência
Conteúdo sobre o que diz a Ciência
Em live promovida pelo pastor Silas Malafaia em 23 de julho de 2020, a médica Luciana Cruz faz discurso defendendo o tratamento precoce, afirmando que é “melhor tratar mesmo sem evidências do que esperar o paciente morrer”. Além disso, a médica afirma que a maioria dos medicamentos utilizados na medicina não têm evidências científicas robustas comprovando a eficácia e a segurança e nem por isso deixam de ser utilizados. Por fim, Luciana Cruz diz que não há nenhum relato de evento adverso envolvendo a hidroxicloroquina e que mais de 50.000 pacientes foram tratados em Belém, com sucesso.
Contudo, as afirmações da médica não condizem com os fatos e as evidências científicas disponíveis na época. Na data de transmissão da live já existiam estudos robustos evidenciando a falta de eficácia da hidroxicloroquina contra o SARS-CoV-2 (coronavírus causador da covid-19) e havia também evidências sobre seus potenciais riscos. Em maio de 2020, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) publicou uma revisão analisando as evidências disponíveis para o uso de hidroxicloroquina e cloroquina na covid-19, afirmando que as evidências disponíveis até então eram fracas, o que levou a entidade a criticar o uso de hidroxicloroquina, destacando que, apesar de seu uso por diversos médicos, não havia evidências robustas sobre sua eficácia no tratamento da doença, e, portanto, recomendava cautela quanto ao uso da hidroxicloroquina. Um estudo publicado pela The New England Journal of Medicine mostrou que o uso de hidroxicloroquina, sozinho ou em combinação com a azitromicina, não reduzia a mortalidade em pacientes hospitalizados com covid-19. Na verdade, o uso de hidroxicloroquina apenas ou a combinação de ambos os medicamentos (azitromicina e hidroxicloroquina) foi associado até a um maior risco cardiovascular e hepático. Em junho de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) suspendeu os testes com hidroxicloroquina devido à falta de eficácia e aos riscos potenciais.
Além dos estudos publicados, em julho de 2020, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) publicaram um consenso na Revista Brasileira de Terapia Intensiva, desaconselhando o uso de hidroxicloroquina para a covid-19. A recomendação foi baseada em uma revisão sistemática que concluiu que não havia evidências robustas que comprovassem a eficácia do medicamento para a covid-19. Foram divulgados diversos alertas da comunidade científica e da OMS sobre o fato de que as evidências que basearam o uso de cloroquina e hidroxicloroquina na covid-19 eram fracas, pois tinham sido obtidas em estudos com falhas metodológicas. Em 2025, o artigo científico, publicado em 2020, que primeiro sugeriu o uso da hidroxicloroquina na covid-19, foi retratado. Esse estudo, liderado por Didier Raoult, foi removido da revista International Journal of Antimicrobial Agents por má conduta científica.
Portanto, é incorreto afirmar que a maioria dos medicamentos não possui evidências científicas robustas sobre sua eficácia e segurança. Os medicamentos passam por um rigoroso processo de avaliação antes de serem aprovados para uso em determinadas condições clínicas. Esse processo inclui testes laboratoriais in vitro e em animais, seguidos de três fases de estudos clínicos em humanos, que avaliam tanto a segurança quanto a eficácia do fármaco. Cada etapa é conduzida por meio de metodologias rigorosas, projetadas para minimizar vieses e limitações, garantindo a confiabilidade dos resultados obtidos. Por exemplo, os estudos são randomizados (com participantes selecionados aleatoriamente), duplo ou triplo-cegos (em que nem pesquisadores nem participantes sabem quem recebe o medicamento ou o placebo) e multicêntricos (realizados em diversos centros de pesquisa para ampliar a representatividade dos dados). Somente após a comprovação de segurança e eficácia é que os medicamentos são aprovados por agências reguladoras, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
No caso específico da cloroquina e da hidroxicloroquina, embora sejam medicamentos amplamente utilizados desde a década de 1930 para o tratamento da malária e, mais recentemente, para doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, seus potenciais efeitos adversos são bem documentados na literatura científica e nas bulas. Entre esses efeitos, destaca-se o prolongamento do intervalo QT, que aumenta o risco de arritmias cardíacas graves. Considerando que a própria covid-19 pode causar complicações cardiovasculares, o uso desses medicamentos no tratamento da doença pode agravar o quadro clínico dos pacientes. Diante desses riscos, não é aceitável que evidências de baixa qualidade orientem o tratamento da covid-19 com cloroquina ou hidroxicloroquina. A medicina atual que é baseada em evidências exige que decisões clínicas sejam fundamentadas em estudos robustos, assegurando a eficácia e a segurança dos tratamentos e respeitando o princípio ético primordial da prática médica: primum non nocere (primeiro, não prejudicar).
Fontes
Bula da Hidroxicloroquina | Cavalcanti AB et al. Hydroxychloroquine with or without azithromycin in mild-to-moderate covid-19. New England Journal of Medicine. 2020. | Falavigna M et al. Diretrizes para o tratamento farmacológico da covid-19. Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Rev Bras Ter Intensiva. 2020. | Fihn SD et al. Caution needed on the use of chloroquine and hydroxychloroquine for coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open. 2020. | Nota Pública: CNS alerta sobre os riscos do uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. 22 mai 2020. | Notice of retraction. Gautret P et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of covid-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents. 2020 | PAHO, Pan American Health Organization. Covid-19: Chloroquine and hydroxychloroquine research. Rapid Review. 8 mai 2020. | PAHO, Pan American Health Organization. Timeline of WHO’s Response to Covid-19. 2 jul 2020.