Descrição
Em sua fala no evento do Ministério da Saúde para apresentação do Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19 no Amazonas, Eduardo Pazuello cita o aplicativo TrateCov e afirma que o sistema apresenta um protocolo de diagnóstico com mais de 85% de acerto.
Até essa data, registravam-se 203.580 óbitos pela covid-19.
Dados do site https://covid.saude.gov.br
Informações Gerais
Descrição
Em sua fala no evento do Ministério da Saúde para apresentação do Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19 no Amazonas, Eduardo Pazuello cita o aplicativo TrateCov e afirma que o sistema apresenta um protocolo de diagnóstico com mais de 85% de acerto.
Tipo da evidência
Formato
Atores envolvidos
Temas
Agentes institucionais envolvidos
Número de óbitos registrados na época em que este fato aconteceu
203580
Dados da fonte de informação
Data da publicação
11 de janeiro de 2021
Título original
Apresentação do Plano Estratégico de Enfrentamento à covid-19 no Amazonas.
Fonte de coleta (Dados da fonte de informação)
Ministério da Saúde
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O que diz a ciência
Conteúdo sobre o que diz a Ciência
Em 11 de janeiro de 2021, durante a apresentação do Plano Estratégico de Enfrentamento à Covid-19 no Amazonas, o então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, destacou o aplicativo TrateCov, afirmando que o protocolo da plataforma para diagnóstico e indicação de tratamento da covid-19 apresentava “mais de 85% de acerto”.
Desenvolvido pelo Ministério da Saúde, o TrateCov tinha como objetivo oferecer um diagnóstico rápido da covid-19 e incentivar o tratamento precoce da doença. No entanto, o “tratamento precoce” recomendado incluía medicamentos como cloroquina/hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, entre outros, defendidos inicialmente com base em estudos com metodologias fracas, por exemplo, estudos com efeitos dessas substâncias sobre o SARS-CoV-2 observados in vitro/. Em janeiro de 2021, já havia evidências robustas que demonstravam a ineficácia desses medicamentos no tratamento da covid-19.
Ainda em 2020, um documento da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) já alertava sobre o fato de que as evidências que embasavam o uso de cloroquina/hidroxicloroquina eram provenientes de estudos com metodologias inadequadas. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também se posicionou contra o uso de tratamento precoce com cloroquina/hidroxicloroquina, considerando os riscos do uso desses medicamentos no tratamento da covid-19. A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) elaboraram um consenso recomendando não utilizar hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. A justificativa da recomendação foi que as evidências que embasavam o uso do medicamento eram frágeis. Em outubro de 2020, foi publicado o estudo Solidarity, coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que analisou o impacto de quatro medicamentos, incluindo a hidroxicloroquina, na mortalidade e em outros desfechos clínicos. Os resultados não mostraram benefícios significativos, como redução na mortalidade, na necessidade de ventilação mecânica ou no tempo de internação dos pacientes tratados com essas substâncias. Além disso, mais tarde, em março de 2021, a OMS se manifestou contra o uso de ivermectina na covid-19, exceto em casos de ensaios clínicos.
Outros estudos também mostraram que a hidroxicloroquina e a ivermectina, além de outros medicamentos do “tratamento precoce”, não eram eficazes na covid-19. A hidroxicloroquina/cloroquina não se mostrou eficaz e ainda havia evidências de que o uso do medicamento poderia aumentar o risco de complicações no contexto da covid-19. Um estudo publicado também no ano de 2020, na The New England Journal of Medicine, concluiu que uso de hidroxicloroquina com ou sem azitromicina para a covid-19 não melhorou o estado clínico e aumentou os efeitos adversos, provocando alterações cardíacas e hepáticas nos pacientes com covid-19.
Em 2025, houve a retratação do artigo científico sobre o estudo liderado por Didier Raoult, publicado em 2020, que inicialmente sugeriu que a hidroxicloroquina era eficaz na covid-19. A remoção do artigo da revista The International Journal of Antimicrobial Agents se deu por má conduta científica.
Críticas ao TrateCov surgiram rapidamente após seu lançamento. Cientistas, políticos e a imprensa denunciaram que o aplicativo direcionava, indiscriminadamente, qualquer caso, independentemente dos sintomas apresentados, à prescrição do chamado tratamento precoce. Além disso, a base científica que sustentava o desenvolvimento do aplicativo foi amplamente contestada. O estudo utilizado como referência apresentava graves falhas metodológicas, como falta de transparência no recrutamento dos participantes, ausência de critérios claros para definição do tamanho da amostra e discrepâncias entre o desenho do estudo descrito no artigo e o registrado na plataforma ClinicalTrials.gov, onde pesquisas clínicas com seres humanos devem ser formalizadas. Cientistas também apontaram potenciais conflitos de interesse entre os autores do estudo. Das 26 referências citadas no artigo, 12 eram de autoria dos próprios pesquisadores e cinco eram preprints ainda não revisados por pares. Essas questões colocaram em dúvida a credibilidade e a validade científica das conclusões apresentadas.
Promover o TrateCov como uma ferramenta segura e cientificamente embasada, inflando também a sua acurácia no diagnóstico da doença, acabou contribuindo para condutas anticiência e para a desinformação sobre o diagnóstico e o tratamento da covid-19. É importante ressaltar que a única forma de diagnóstico confiável e respaldada pela ciência é a realização de testes específicos para a detecção do vírus. Esses exames identificam componentes do vírus, como proteínas (nos testes rápidos) ou material genético (no caso do RT-PCR), garantindo precisão na detecção da presença do vírus no organismo.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) também se posicionou contra o uso do aplicativo e solicitou sua suspensão. Diante da repercussão negativa, poucos dias após o lançamento, o governo retirou o TrateCov do ar, justificando que um hacker havia disponibilizado indevidamente um protótipo no site do Ministério da Saúde. No entanto, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), não foram encontrados indícios de violação do código-fonte do TrateCov.
Portanto, o desenvolvimento e a promoção desse aplicativo, juntamente com a recomendação para que todos os médicos o utilizassem, constituiu uma política anticiência, marcada por condutas contrárias às evidências científicas disponíveis. Essa atitude contribuiu para a disseminação de desinformação, inclusive entre profissionais da saúde, o que pode ter prejudicado os esforços de controle da pandemia e agravado seus impactos.
Fontes
Bula da Hidroxicloroquina | Cavalcanti AB et al. Hydroxychloroquine with or without azithromycin in mild-to-moderate covid-19. New England Journal of Medicine. 2020. | CFM, Conselho Federal de Medicina. Esclarecimento à imprensa. 2021. | CRF-SP, Conselho Regional de Farmácia do estado de São Paulo. Alerta sobre tratamento precoce da covid-19. 18 jan 2021. | CRF-SP, Conselho Regional de Farmácia do estado de São Paulo. Nota Técnica do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP) sobre o uso de ivermectina no tratamento de covid-19. 2 jul 2020. | Falavigna M et al. Diretrizes para o tratamento farmacológico da covid-19. Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Rev Bras Ter Intensiva. 2020. | Fihn SD et al. Caution needed on the use of chloroquine and hydroxychloroquine for coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open. 2020. | Gragnani J. Covid: estudo que serviu de base para app TrateCov tem falhas de metodologia - BBC News Brasil. 25 mai 2021. | Nações Unidas. OMS recomenda ivermectina contra covid-19 apenas em ensaios clínicos. ONU News. 31 mar 2021. | Landim R. Em simulação, TrateCov indica cloroquina para bebê com febre e congestão nasal. CNN Brasil. 25 mai 2021. | Nota Pública: CNS alerta sobre os riscos do uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. 22 mai 2020. | Notice of retraction. Gautret P et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of covid-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents. 2020 | PAHO, Pan American Health Organization. Covid-19: Chloroquine and hydroxychloroquine research. Rapid Review. 8 mai 2020. | RECOVERY Collaborative Group. Effect of Hydroxychloroquine in Hospitalized Patients with Covid-19. N Engl J Med. 2020. | Singh B et al. Chloroquine or hydroxychloroquine for prevention and treatment of covid‐19. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2021. | TCU Tribunal de Contas da União. Aplicativo TrateCov recomendava tratamento precoce da covid-19. 4 ago 2021. | WHO Solidarity Trial Consortium. Repurposed Antiviral Drugs for Covid-19 - Interim WHO Solidarity Trial Results. N Engl J Med. 2021.