Descrição
Editorial de autoria de Francisco Cardoso, publicado no site Médicos Pela Vida, posiciona-se contra a adoção do “passaporte vacinal”, alegando que se trata de uma medida ideológica destinada a perseguição e discriminação.
Até essa data, registravam-se 698.056 óbitos pela covid-19.
Dados do site https://covid.saude.gov.br
Informações Gerais
Descrição
Editorial de autoria de Francisco Cardoso, publicado no site Médicos Pela Vida, posiciona-se contra a adoção do “passaporte vacinal”, alegando que se trata de uma medida ideológica destinada a perseguição e discriminação.
Tipo da evidência
Formato
Atores envolvidos
Temas
Agentes institucionais envolvidos
Número de óbitos registrados na época em que este fato aconteceu
698056
Dados da fonte de informação
Data da publicação
19 de fevereiro de 2023
Título original
Os negacionistas do Estadão precisam aprender a estudar ciência
Fonte de coleta (Dados da fonte de informação)
Associação Médicos Pela Vida
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O que diz a ciência
Conteúdo sobre o que diz a Ciência
A obrigatoriedade da vacinação é uma medida de saúde pública respaldada pela ciência e adotada há décadas como forma de prevenir doenças infecciosas. A vacinação se mostrou muito importante na história da humanidade, salvou milhões de vidas ao longo dos anos, portanto, a contestação desses fatos nem deveria ser considerada no debate político. É necessário combater qualquer discurso que negue a vacinação como medida de saúde pública, pois esse tipo de discurso pode repercutir na redução da cobertura vacinal, e, como consequência, isso pode fazer com que doenças antes controladas pela vacinação voltem a aparecer.
Há imprecisão na afirmação de que as vacinas contra a covid-19 não reduzem a transmissão e não previnem a infecção, visto que há sim evidências de benefício na diminuição da disseminação do vírus em populações vacinadas. As primeiras vacinas contra a covid-19, direcionadas para a cepa original do vírus, apresentaram resultados de redução da transmissão da doença, assim como diminuição da chance de infecção sintomática. No entanto, com as mutações do vírus, a proteção para a prevenção de infecção, frente às novas variantes, pode ter ficado menor, visto que as variantes apresentam mutações que resultam em escape da imunidade. Os resultados após o esquema de vacinação inicial (duas doses) com vacinas de vetor viral (AstraZeneca) e de mRNA (Pfizer) mostraram a produção de anticorpos do tipo IgA contra o SARS-CoV-2, e esse tipo de anticorpo é uma defesa importante na mucosa do trato respiratório, podendo colaborar na prevenção de infecção. Mesmo que pessoas vacinadas possam ainda se infectar e transmitir a doença, há dados que evidenciam alguma redução na transmissão entre vacinados. Outro ponto importante, demonstrado por diversos estudos, é que o aumento no nível sanguíneo de anticorpos neutralizantes, após um novo reforço de vacina, confere maior proteção contra a infecção sintomática, principalmente nos primeiros dois meses após o reforço. A queda na efetividade das vacinas, com o passar do tempo, é coerente com a redução gradativa nos mecanismos imunes estimulados pela vacinação, algo que ocorre naturalmente no organismo, mas pode ser revertido com doses de reforço.
Outra causa da significativa queda da efetividade das vacinas foi o surgimento de variantes com mutações na proteína Spike, uma parte da estrutura do vírus para a qual a imunidade é direcionada. A variante Ômicron e suas subvariantes, predominantes desde 2022, apresentam diversas mutações que impactaram profundamente na proteção conferida pela vacinação. Quanto mais o vírus é transmitido de pessoa a pessoa, maiores são as chances de mutações e, por isso, as variantes são resultado da alta taxa de transmissão do vírus. A falta de isolamento social de pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 e a ausência de proteção adequada contra a infecção em pessoas não vacinadas podem ter contribuído para a continuidade da transmissão ativa do vírus. Se o esquema inicial da vacinação contra a covid-19 tivesse tido adesão de quase toda a população, a alta cobertura vacinal talvez poderia ter prevenido o advento de novas variantes com profundas mutações, como a Ômicron. Além disso, quando pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 não respeitam o isolamento social, o vírus continua sendo transmitido, permitindo a adaptação do vírus com mutações que favorecem a evasão da resposta imune do hospedeiro.
É fato conhecido que a variante Ômicron marcou a história da pandemia por ser a variante do SARS-CoV-2 com mais mutações significativas na proteína Spike. Em decorrência do grande número de mutações, essa variante conseguiu a vantagem de escapar de alguns mecanismos da imunidade conferidos pela vacinação. Com a chegada dessa variante, ocorreu uma grande onda de covid-19 no Brasil, e, apesar de vacinadas com esquema completo, diversas pessoas acabaram adquirindo a infecção. Os estudos mostraram que a imunidade, mesmo que estivesse presente, poderia falhar contra a Ômicron devido às mutações do vírus terem ocorrido justamente na principal proteína para a qual a resposta imune é direcionada: a proteína Spike. É por isso que, a partir do advento da Ômicron, as vacinas passaram a ser atualizadas para conferir proteção contra essa nova variante. A modificação nas vacinas, que anteriormente eram baseadas na cepa original do SARS-CoV-2, foi realizada e as doses de reforço com as vacinas atualizadas passaram a conferir maior proteção contra as subvariantes da Ômicron. O fato de muitas pessoas terem adquirido a infecção na primeira onda de Ômicron no Brasil também ajudou a estimular a imunidade contra as subvariantes da Ômicron, pois a resposta imune estimulada pela infecção se soma à resposta estimulada pela vacinação, garantindo robusta proteção. É importante ressaltar que, mesmo nessa grande onda, em que chegamos a registrar mais de 120 mil novos casos por dia, o número de óbitos não acompanhou o aumento no número de casos, visto que o esquema inicial de vacinação, completo em grande parte da população, foi suficiente para proteger contra a morte. Uma comparação simples entre a proporção de número de óbitos e o número de casos registrados da doença mostra que as vacinas foram essenciais para que pudéssemos nos proteger dos efeitos devastadores do vírus. Em março de 2021, antes da chegada da Ômicron e antes do esquema vacinal ter se completado, o Brasil registrou 2.197.488 novos casos da doença com 66.573 óbitos; por outro lado, em janeiro de 2022, com o advento da Ômicron, o país registrou 3.139.223 novos casos com apenas 8.033 óbitos decorrentes da covid-19. Mesmo que a imunidade do primeiro esquema vacinal tenha sido direcionada à cepa original do vírus, apesar das mutações na proteína Spike observadas nas variantes Ômicron, a imunidade continua funcionando na proteção contra o agravamento da doença.
É incoerente um discurso antivacina, um posicionamento contra a imunidade coletiva conferida pelas vacinas, quando esse discurso é proferido por pessoas que defendiam a imunidade coletiva por contágio (imunidade de rebanho). Isto porque, ao contrário da imunização vacinal, a imunidade coletiva por contágio é insegura e antiética, devido ao risco de adoecimento grave e morte pela covid-19. É mais preocupante ainda um discurso contra a vacinação da população quando esse discurso é proferido por profissionais médicos que deveriam zelar pela saúde coletiva. A vacinação contra a covid-19, além de ser respaldada pelas evidências científicas, mostrou efetividade significativa permitindo que a situação de emergência sanitária fosse superada. Portanto, é incontestável a importância das medidas de estímulo à vacinação, como o passaporte vacinal. A obrigatoriedade da vacinação, por meio do passaporte vacinal, foi uma medida importante na pandemia de covid-19. A vacinação obrigatória auxilia no alcance de uma alta cobertura vacinal, contribuindo para a imunidade coletiva contra o patógeno. Apesar de a imunidade humoral (de anticorpos) contra o SARS-CoV-2 ter caráter transitório, já que o nível sanguíneo de anticorpos cai em alguns meses, as vacinas conseguem induzir uma resposta imune celular mais robusta, o que garante uma imunidade duradoura, especialmente eficaz na proteção contra a severidade da covid-19.
Embora haja muita discussão sobre a eficácia reduzida das vacinas de covid-19 contra a infecção, a comunidade científica sabe que nenhuma vacina possui eficácia de 100% contra a infecção e esse nível de eficácia na “vida real” é inalcançável, devido à diversidade dos fatores genéticos e imunes presentes nas populações. Por isso, é incompreensível a exigência de alguns profissionais médicos por uma eficácia de 100% nas vacinas contra a covid-19. O único argumento possível para justificar essa exigência é a ignorância sobre como funcionam as vacinas, as variações populacionais da eficácia e os valores de eficácia das outras vacinas disponíveis para outras doenças. Em qualquer doença infecciosa, a exposição ao agente infeccioso implica no risco de adquirir a infecção, e mesmo uma pessoa vacinada pode adquirir a doença para a qual ela foi vacinada, caso seja exposta a um grande risco ou possua condições que a deixem mais suscetível. Na covid-19 não é diferente, a exposição ao vírus aumenta a probabilidade da pessoa vacinada se infectar, além dos fatores individuais que podem comprometer a resposta imune e aumentar a suscetibilidade do indivíduo. A imunidade coletiva é tão importante que a ciência preconiza alta cobertura vacinal para que todos fiquem protegidos. Com a alta cobertura, a imunidade coletiva se estabelece e o agente infeccioso não encontra muitos indivíduos suscetíveis na população e, por isso, há uma redução na transmissão da doença, pois o agente infeccioso reduz a sua circulação. O fato de nenhuma vacina ter eficácia de 100% contra a infecção faz com que, mesmo para doenças controladas, como rubéola, sarampo e caxumba, as pessoas vacinadas possam se infectar se forem expostas a um risco muito alto ou se tiverem condições de saúde que impactem na imunidade. A vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, apresenta eficácia em torno de 95% contra sarampo e rubéola, mas, para a caxumba, a eficácia pode variar de 75% a 95%. O risco de infecção aumenta em populações que não estão amplamente imunizadas, visto que o agente infeccioso encontra mais indivíduos suscetíveis. Assim, nessas populações, até os indivíduos vacinados são expostos a um risco de se infectar, devido à “pressão” exercida pela alta circulação do agente infeccioso. Portanto, é falacioso dizer que a vacinação deve ser uma decisão individual, pois a vacinação é medida de saúde coletiva, assim como não há evidências científicas que corroborem a ideia de que pessoas vacinadas, que estejam infectadas por determinado patógeno, não precisem se isolar. O isolamento é uma medida importante para conter a cadeia de transmissão e deve ser aplicado a qualquer pessoa infectada.
Mesmo que não haja evidências de redução significativa na transmissão da covid-19 entre vacinados, a vacinação levou à diminuição na alta taxa de transmissão do SARS-CoV-2 e à superação das piores fases da emergência sanitária. A imunidade coletiva pela vacinação foi muito importante e podemos presumir que indivíduos que se vacinam regularmente, provavelmente, demonstram um comportamento mais responsável com relação à doença, e quando estão infectados fazem uso de medidas adicionais para prevenir a transmissão, como isolamento e uso de máscaras. Por isso, profissionais da saúde deveriam se preocupar em estimular a vacinação da população e não concentrar seus esforços na contestação da vacina.
Outro ponto importante de ser destacado são as citações de número de artigos publicados sobre determinado assunto, prática frequente entre aqueles que buscam argumentos que justifiquem as opiniões opostas às evidências científicas. O número de artigos sobre uma determinada tese não deve ser argumento para defender essa tese. Apesar de as revistas científicas serem os veículos responsáveis por publicar dados obtidos por pesquisas científicas, atualmente, há uma série de revistas e jornais científicos que sequer exigem uma revisão por pares para publicar determinados artigos. Isso é muito comum, especialmente no caso de algumas revistas conhecidas como predatórias, nas quais o pagamento é a condição principal para a publicação de artigos. Assim, citar números de artigos que defendem determinada tese como forma de argumentar em favor dessa tese não traz nenhum tipo de avanço na discussão. Os artigos devem ser analisados, ou seja, suas limitações, possíveis falhas metodológicas e conflitos de interesse dos pesquisadores, entre outros aspectos, devem ser avaliados para que as evidências levantadas sejam consideradas adequadas. Há diversos artigos com falhas metodológicas graves e limitações que acabam por invalidar os resultados das pesquisas. Os consensos científicos resultam de evidências robustas acumuladas ao longo do tempo, a partir de estudos de qualidade. Enfim, não é pelo número de artigos publicados que se constrói um consenso científico.
A vacinação é importante e deve continuar sendo estimulada para todos. Ainda temos o risco de desenvolver efeitos de longo prazo decorrentes da infecção pelo SARS-CoV-2, a covid longa. Pessoas vacinadas têm menor probabilidade de desenvolver os sintomas relacionados à covid longa, por isso a vacinação é a melhor medida para redução de riscos. Nesse sentido, diante das evidências dos benefícios da vacinação, contestar medidas que visam ampliar a adesão da população às vacinas é uma prática inadequada frente aos riscos impostos pela covid-19.
Fontes
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