Descrição
Em entrevista ao Programa do Ratinho, Bolsonaro afirma sem embasamento científico que ao contrair covid-19 as pessoas ficariam imunes ao vírus. A declaração minimiza a gravidade da doença e da pandemia e encoraja a falsa ideia de que a contaminação em massa poderia proteger a população.
Até essa data, registravam-se 25 óbitos pela covid-19.
Dados do site https://covid.saude.gov.br
Informações Gerais
Descrição
Em entrevista ao Programa do Ratinho, Bolsonaro afirma sem embasamento científico que ao contrair covid-19 as pessoas ficariam imunes ao vírus. A declaração minimiza a gravidade da doença e da pandemia e encoraja a falsa ideia de que a contaminação em massa poderia proteger a população.
Tipo da evidência
Formato
Atores envolvidos
Agentes institucionais envolvidos
Número de óbitos registrados na época em que este fato aconteceu
25
Dados da fonte de informação
Data da publicação
22 de março de 2020
Título original
Ratinho entrevista Presidente Jair Bolsonaro
Fonte de coleta (Dados da fonte de informação)
SBT
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O que diz a ciência
Conteúdo sobre o que diz a Ciência
Em entrevista ao Programa do Ratinho, no dia 22 de março de 2024, Jair Bolsonaro afirmou que ao contrair o vírus da covid-19 estaria “ajudando a imunizar o Brasil”, sugerindo que a contaminação em massa poderia contribuir para a proteção da população. No entanto, a fala contraria as informações científicas já disponíveis na época sobre o vírus SARS-CoV-2 e as orientações das autoridades de saúde.
No dia 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública de importância internacional devido ao surto do novo coronavírus. Em sua avaliação de riscos, a organização indicou risco muito alto para a China e países vizinhos, além de um risco elevado para todos os países do mundo. Em 11 de março de 2020, apenas 11 dias antes da entrevista concedida por Bolsonaro, a covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. À medida que o número de casos aumentava exponencialmente, ficou claro que muitos sistemas de saúde ao redor do mundo estavam sob risco de colapso. Em países da Europa e na China, a escassez de leitos hospitalares, equipamentos de proteção individual (EPI), ventiladores pulmonares e profissionais de saúde capacitados tornou-se motivo de preocupação internacional, evidenciando a crise que se aproximava rapidamente de outros países, incluindo o Brasil.
Além dos custos diretos para o sistema de saúde, já se previa que a pandemia poderia impactar de forma devastadora a economia global. Por isso, havia necessidade de medidas urgentes para conter a rápida disseminação do vírus. Essas ações, evidentes no cenário internacional e apontadas pela OMS, foram ignoradas por Bolsonaro em sua declaração, na qual classificou como “terrível” o pânico em torno da doença.
Segundo Bolsonaro, uma pessoa contaminada há “20 dias, 15 dias” estaria imune e ajudando a imunizar outras pessoas sem transmitir o vírus a terceiros, mas essa afirmação é equivocada e as evidências científicas disponíveis na época já não apoiavam essa tese. Em um comentário publicado na The Lancet em fevereiro de 2020, a partir da análise de dados sobre o avanço da pandemia na China, foram destacados os passos essenciais para evitar a disseminação rápida da doença. Entre as estratégias básicas estavam: detecção rápida, diagnóstico precoce, isolamento e acompanhamento adequado dos sintomas. Até então, não havia tratamento clínico eficaz para covid-19, e muitos pacientes em estado crítico desenvolveram complicações graves. O isolamento social, além de ter sido preconizado pela OMS, foi sugerido pela comunidade científica como medida importante para evitar o aumento da transmissão e o colapso dos sistemas de saúde. Além disso, pesquisadores do Imperial College de Londres publicaram, em março de 2020, um estudo que utilizou modelos matemáticos para avaliar o impacto de intervenções não farmacológicas no controle da pandemia. Os resultados indicaram que estratégias combinadas, incluindo o isolamento, eram fundamentais para reduzir significativamente a transmissão do vírus.
A ideia de que a imunidade da população poderia ser obtida por contágio, conhecida como “imunidade de rebanho”, ganhou destaque nos estágios iniciais da pandemia. Contudo, esse conceito, tradicionalmente associado à vacinação, pressupõe que uma comunidade é imunizada contra um vírus quando um percentual mínimo de vacinação, geralmente entre 80% e 90%, é atingido. A imunidade coletiva, nesse caso, reduz a circulação do patógeno, protegendo até mesmo indivíduos mais vulneráveis, como pessoas não vacinadas ou com imunodeficiências. A busca por imunidade coletiva por meio de infecção natural, porém, enfrenta desafios éticos e carece de respaldo científico. Na época em que essa teoria ganhou destaque, não havia evidências conclusivas que permitissem compreender se a infecção pelo SARS-Cov-2 resultaria em imunidade duradoura nem se essa imunidade proporcionaria proteção contra as reinfecções. Ainda em 2020, relatos de casos indicavam que a infecção natural não garantia uma resposta imune de longa duração, visto que algumas pessoas apresentaram reinfecção poucos meses após a primeira. Os casos de reinfecção mostraram que a teoria de “imunidade de rebanho” por contágio não era válida, e a vacinação tornou-se a única garantia de uma imunidade mais sustentada, devido à possibilidade de reforço com novas doses de vacina, conforme a diminuição da resposta imune.
É importante ressaltar ainda que, na época da declaração de Bolsonaro, não havia evidências conclusivas de que a infecção pelo SARS-CoV-2 resultasse em imunidade duradoura ou que essa imunidade protegesse contra reinfecções. Pela experiência acumulada com doenças causadas por patógenos semelhantes e pelas características do vírus, já havia indícios de que a infecção não garantiria uma imunidade duradoura. Permitir a disseminação descontrolada do vírus implicaria, portanto, no aumento desnecessário de casos graves, sobrecarregando o sistema de saúde e elevando o número de mortes. Assim, a “imunidade de rebanho” por contágio não apenas era cientificamente desaconselhável, como também eticamente questionável, acarretando graves consequências para a saúde pública e individual.
Fontes
Desai AN, Majumder MS. What Is Herd Immunity? JAMA. 2020. | Ferguson NM et al. Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce covid-19 mortality and healthcare demand. Imperial College Covid-19 Response Team. 16 mar 2020. | OPAS, Organização Pan-Americana da Saúde. Histórico da emergência internacional de covid-19. | Torres DA et al. Reinfection of covid-19 after 3 months with a distinct and more aggressive clinical presentation: Case report. J Med Virol. 2021. | Wang FS, Zhang C. What to do next to control the 2019-nCoV epidemic? Lancet. 2020. | WHO, World Health Organization. WHO Director-General's statement on IHR Emergency Committee on Novel Coronavirus (2019-nCoV). 30 jan 2020. | Zhu N et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020.