Descrição
Em live em seu canal no YouTube, Bolsonaro defende o chamado “tratamento precoce” com medicamentos sem eficácia comprovada e imita uma pessoa com falta de ar.
Até essa data, registravam-se 290.314 óbitos pela covid-19.
Dados do site https://covid.saude.gov.br
Informações Gerais
Descrição
Em live em seu canal no YouTube, Bolsonaro defende o chamado “tratamento precoce” com medicamentos sem eficácia comprovada e imita uma pessoa com falta de ar.
Tipo da evidência
Formato
Atores envolvidos
Temas
Agentes institucionais envolvidos
Número de óbitos registrados na época em que este fato aconteceu
290314
Dados da fonte de informação
Data da publicação
18 de março de 2021
Título original
Live de Quinta-feira
Fonte de coleta (Dados da fonte de informação)
Canal de Bolsonaro no YouTube
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O que diz a ciência
Conteúdo sobre o que diz a Ciência
Em uma live em seu canal no YouTube, Bolsonaro defende o que ele chama de “tratamento inicial”, para não usar o termo “tratamento precoce”, protocolo composto por medicamentos sem eficácia comprovada na covid-19. Além disso, nessa mesma live, ele critica as medidas de saúde pública para evitar o colapso do sistema de saúde e imita uma pessoa com falta de ar.
O referido tratamento precoce incluía uma série de medicamentos, tais como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, nitazoxanida, entre outros. Embora nenhum desses medicamentos tivesse indicação para a covid-19, alguns médicos e políticos adotaram e divulgaram esse tratamento, desobedecendo as recomendações de saúde da comunidade científica e da Organização Mundial da Saúde (OMS) na crise sanitária. De fato, a pandemia de covid-19 trouxe à tona a discussão sobre o uso off label de medicamentos, uma prática que consiste em reposicionar a indicação de medicamentos já aprovados, mas para tratar condições diferentes daquelas indicadas na bula. No entanto, a indicação off label deve estar amparada por evidências científicas que justifiquem esse reposicionamento. Ocorre que essa indicação foi baseada em evidências de baixa qualidade, e muitos dos medicamentos contendo esses fármacos não são indicados para tratar infecções por vírus, inclusive a covid-19, não existindo comprovação científica que suportasse esse reposicionamento.
Bolsonaro defendeu a adoção do tratamento precoce repetidas vezes, indicando a hidroxicloroquina como principal tratamento da covid-19. Embora nesse trecho da live ele não cite nenhum medicamento específico, dentro do contexto das suas manifestações públicas da época, bem como pela indicação que ele cita “remédio para matar piolho”, é possível identificar que o ex-presidente esteja se referindo também à ivermectina.
As evidências que deram suporte a essa indicação off label foram, em sua maioria, fruto de resultados de estudos com falhas metodológicas ou ainda, estudos in vitro, que obtiveram atividade antiviral do fármaco em apenas um conjunto de células cultivadas em condições altamente controladas. Porém, ao lidar com determinado tratamento farmacológico, é necessário obter evidências robustas da eficácia e da segurança para atestar o uso dos medicamentos no tratamento das condições indicadas. Essas evidências devem ser obtidas por meio de estudos com metodologia adequada, como os ensaios clínicos randomizados, com grande número de participantes. Embora os medicamentos existentes no mercado já tenham passado por estudos clínicos antes de sua aprovação, quando há intenção de acrescentar novas indicações desses fármacos é imprescindível que o medicamento passe por novos testes. Em diversos ensaios clínicos realizados com o propósito de testar esses medicamentos na covid-19, os resultados mostraram que nem um desses medicamentos possui eficácia para tratar essa doença.
Em maio de 2020, um documento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) já alertava sobre o fato de que as evidências que embasavam o uso de cloroquina/hidroxicloroquina eram provenientes de estudos com metodologias inadequadas. Em 21 de maio de 2020, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) se posicionou contra o uso de tratamento precoce com cloroquina/hidroxicloroquina, considerando os riscos do uso desses medicamentos no tratamento da covid-19. Um consenso elaborado em conjunto pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), publicado em 2020, recomendou não utilizar hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, pois as evidências que embasavam o uso do medicamento eram frágeis. Em outubro de 2020, um estudo coordenado pela OMS tornou evidente a ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Além disso, desde 2021, a OMS se manifestou contra o uso de ivermectina na covid-19, exceto em casos de ensaios clínicos.
No momento da fala de Bolsonaro, já existiam muitos estudos mostrando que a hidroxicloroquina e a ivermectina, além de outros medicamentos do “tratamento precoce”, não eram eficazes na covid-19. Hidroxicloroquina/cloroquina além de não ser eficaz, de acordo com os estudos e com a própria bula do medicamento, poderia ainda aumentar o risco de complicações no contexto da covid-19. Um estudo publicado, em 2020, na The New England Journal of Medicine concluiu que uso de hidroxicloroquina com ou sem azitromicina para a covid-19 não apenas não melhorou o estado clínico dos pacientes com covid-19 como também aumentou os efeitos adversos, como alterações cardíacas (prolongamento do intervalo QT, o que pode levar a arritmias) e hepáticas. Em 2025, houve a retratação do artigo científico sobre o estudo liderado por Didier Raoult, publicado em 2020, que inicialmente sugeriu alguma eficácia da hidroxicloroquina na covid-19. A remoção do artigo da revista The International Journal of Antimicrobial Agents se deu por má conduta científica.
Os dados que embasaram a utilização de ivermectina na covid-19 eram provenientes de estudos in vitro que usaram uma dose impossível de ser aplicada em um organismo. O equivalente a essa dose, se utilizado em humanos, poderia levar a efeitos tóxicos graves. O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) alertou sobre isso em uma nota técnica, destacando que a ação antiviral da ivermectina foi observada in vitro e não era alcançável in vivo, e que o uso do medicamento poderia causar reações adversas. A própria fabricante da ivermectina, Merck, se manifestou, em fevereiro de 2021, desaconselhando o uso do medicamento para tratar a covid-19 devido aos potenciais efeitos adversos neurotóxicos e hepatotóxicos em idosos e pacientes frágeis e à ausência de evidências significativas acerca da eficácia no tratamento da doença. No mesmo mês, foi publicado um estudo na revista eClinicalMedicine (do grupo The Lancet) com os resultados de um ensaio clínico mostrando que não havia diferença significativa na carga viral entre pessoas tratadas com ivermectina ou placebo.
É importante destacar também que a recomendação do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, citada por Bolsonaro, foi baseada unicamente na preocupação de que o sistema de saúde entrasse em colapso. Isso porque, de acordo com as evidências científicas, os casos leves da doença poderiam ser tratados em casa mesmo, com repouso, boa alimentação e hidratação. O alerta para que somente no caso de sintomas mais graves o paciente buscasse um serviço hospitalar, de fato, era importante em um contexto com elevados números de casos da doença. No entanto, Bolsonaro não apoiou as políticas de saúde recomendadas pela OMS e pelo seu próprio ministério e ainda insistiu na recomendação de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da covid-19, o que pode ter contribuído também para o aumento da mortalidade, durante a pandemia, no Brasil.
Fontes
Bula da Hidroxicloroquina | Cavalcanti AB et al. Hydroxychloroquine with or without azithromycin in mild-to-moderate covid-19. New England Journal of Medicine. 2020. | Falavigna M et al. Diretrizes para o tratamento farmacológico da covid-19. Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Rev Bras Ter Intensiva. 2020. | Fihn SD et al. Caution needed on the use of chloroquine and hydroxychloroquine for coronavirus disease 2019. JAMA Netw Open. 2020. | Informe nº 16 da Sociedade Brasileira de Infectologia sobre: atualização sobre a hidroxicloroquina no tratamento precoce da covid-19. 17 jul 2020 | Nota Pública: CNS alerta sobre os riscos do uso da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. 22 mai 2020. | Notice of retraction. Gautret P et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of covid-19: results of an open-label non-randomized clinical trial. International Journal of Antimicrobial Agents. 2020 | PAHO, Pan American Health Organization. Covid-19: Chloroquine and hydroxychloroquine research. Rapid Review. 8 mai 2020. | WHO Solidarity Trial Consortium. Repurposed Antiviral Drugs for Covid-19 - Interim WHO Solidarity Trial Results. N Engl J Med. 2021.