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Quem vai morrer ou viver

A pandemia de covid-19 revelou de forma brutal as desigualdades estruturais de nossa sociedade, expondo como fatores socioeconômicos, raciais e geográficos determinaram quem teve mais chances de sobreviver e quem foi mais vulnerável aos impactos devastadores do vírus, tornando a crise sanitária um espelho das injustiças sociais existentes.

Indivíduos de comunidades marginalizadas, vivendo em condições precárias e com acesso limitado a serviços de saúde, enfrentaram taxas desproporcionalmente altas de infecção e mortalidade. Trabalhadores informais e essenciais, que não puderam se isolar, estiveram mais expostos ao vírus, assim como grupos historicamente vulnerabilizados, como a população negra, povos indígenas e pessoas em situação de rua. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2020, em todas as faixas etárias de zero a 69 anos, pessoas pretas e pardas morreram mais de covid-19 em comparação com pessoas brancas, evidenciando como a desigualdade social se entrelaça com o direito à vida.

Além disso, fatores como idade avançada e condições subjacentes, como hipertensão, diabetes, obesidade, doenças crônicas pulmonares, cardíacas, hepáticas e renais, tumores, imunodeficiências e gravidez, também desempenharam um papel determinante na progressão da covid-19 para estágios graves e críticos. A ausência de políticas públicas eficazes para mitigar essas vulnerabilidades aprofundou a crise. 

Mais preocupante, no entanto, foi a adoção de medidas claramente segregacionistas por líderes da administração pública. Indivíduos jovens e saudáveis, considerados “economicamente ativos”, foram priorizados, enquanto idosos, pessoas com comorbidades e outros grupos vulneráveis foram tratados como descartáveis. Essas estratégias não apenas ignoraram as recomendações da ciência e da Organização Mundial da Saúde (OMS), como também configuraram violações de direitos humanos, resultando na dizimação de populações.

Um estudo publicado em 2021 na Nature Medicine destacou a necessidade de políticas baseadas em evidências para enfrentar as disparidades da pandemia, revelando que a expectativa de vida no Brasil caiu de 76,2 anos, em 2019, para 74,8 anos, em 2020. O impacto foi mais severo no Norte, como no Amazonas, com uma redução de 3,5 anos, enquanto o Nordeste teve quedas menores, possivelmente devido ao empenho de governadores na aplicação de medidas de controle

As evidências coletadas pelo acervo mostram que a pandemia de covid-19 foi também uma crise de desigualdade e direitos. Expor e compreender essas dinâmicas é essencial para evitar que futuros desastres sigam a mesma lógica de exclusão e negligência. A luta por justiça social e saúde pública baseada em evidências científicas deve continuar como uma prioridade coletiva.