Caso de Manaus: Na pandemia de covid-19, Manaus foi palco da mais chocante tragédia, resultante da má conduta do governo federal e de gestores da saúde pública. O caso, os relatos e as imagens, que repercutiram nacional e internacionalmente, evidenciam os equívocos, os interesses financeiros e a brutal incompetência do governo.
Ciência e evidência: A disseminação de mentiras, de desinformação e de uma “ciência alternativa” (alt-science) tem sido uma estratégia da extrema direita em diversas partes do mundo. O ataque à ciência e o negacionismo em relação ao conhecimento produzido com base em evidências científicas, atinge diretamente as instituições científicas e as universidades, e também a saúde coletiva, a democracia e a vida.
Contágio e imunização de rebanho: Em um contexto de disseminação mundial do vírus da covid-19, o governo federal brasileiro e seus apoiadores abraçaram uma estratégia de “contágio de rebanho”, uma política perversa que, supostamente, de acordo com a “teoria” disseminada por esses agentes, traria uma imunização adquirida naturalmente, mas que, na prática, isentava o governo de medidas mais incisivas e adequadas de enfrentamento à pandemia — como a compra de vacinas e a promoção de condições para o isolamento social —, colocando em maior risco a população mais vulnerável.
Denúncias de condutas anticiência: São manifestações (em vídeo, áudio, texto, postagens em redes digitais) de cientistas, pesquisadores ou agentes públicos ou privados, em defesa da ciência e da vida, que apontam evidências da conduta de agentes ou instituições, públicos ou privados, que contribuíram para agravar a tragédia da pandemia de covid-19 no Brasil, formando parte do necrossistema.
Ética e autonomia médica: O ataque à ciência e à vida também ocorreu nos discursos e nas manifestações públicas em defesa de uma suposta “liberdade irrestrita” (incluindo a liberdade de escolha entre tomar ou não a vacina e a liberdade médica de prescrever o chamado “tratamento precoce”, sem embasamento científico). No sentido oposto da ação coordenada e massiva das políticas de saúde pública, necessária em uma pandemia, entidades e organizações médicas atuaram na disseminação de desinformação, contribuindo para aprofundar a tragédia no país.
Evidência: Nesta pesquisa, são consideradas evidências as manifestações públicas (em vídeo, áudio, texto, postagens em redes digitais) com discursos e/ou denúncias de condutas, de agentes ou instituições, públicos ou privados, que revelam, indicam ou demonstram a existência de um necrossistema na pandemia de covid-19 no Brasil.
Isolamento e aglomerações: O estímulo a aglomerações ao longo da pandemia, promovendo desinformação sobre os riscos de não se praticar o isolamento e o distanciamento social, negando a sua necessidade para a prevenção da contaminação pelo vírus, foi prática recorrente do então presidente do país, assim como de agentes de seu governo e seus apoiadores, como evidenciam diversas manifestações públicas coletadas e disponibilizadas neste acervo.
Lockdown e o impacto na economia: Diversas vozes da ciência defenderam o isolamento social e/ou o lockdown como formas de prevenção à contaminação da população pelo vírus da covid-19 e combate à pandemia. No Brasil, vários agentes políticos e econômicos foram contrários a essa recomendação, implementada publicamente em diversos países no período, justificando sua oposição com base na preocupação com o impacto que essa medida poderia ter na economia do país.
Memória, justiça, verdade e reparação: Os crimes cometidos durante a pandemia de covid-19 no país, amplamente detalhados no Relatório da CPI e em pesquisas do CEPEDISA/USP, foram inúmeros, e o Brasil, mesmo com a subnotificação de casos, figura entre os três países com mais mortes per capita por covid-19, entre aqueles cuja população é superior a 10 milhões de habitantes. A situação foi além de negligência, omissão ou mero negacionismo: houve intencionalidade na propagação do vírus, com objetivos políticos, econômicos e simbólicos. A investigação, o julgamento e a condenação dos responsáveis pela desastrosa gestão da saúde pública no período da pandemia no país precisa ocorrer. Há importantes movimentos sociais em luta por justiça diante dos crimes e das violações cometidos no Brasil durante a pandemia e, também, diversas propostas e ações em curso para a memória e para reparação às vítimas e seus familiares. As evidências coletadas buscam dar voz a essas denúncias e lutas.
Condutas anticiência: Evidências da conduta de agentes ou instituições, públicos ou privados, que contribuíram para agravar a tragédia da pandemia de covid-19 no Brasil, formando parte do necrossistema.
Discursos anticiência: São manifestações públicas (em vídeo, áudio, texto, postagens em redes digitais) de agentes ou instituições, públicos ou privados, que expressam negacionismo científico, conteúdo falso, manipulação de dados, desinformação e afirmações contrárias às evidências científicas, e que se constituem indícios de crimes cometidos por esses agentes ou instituições.
Necropolítica: O termo necropolítica significa, etimologicamente, política da morte. O conceito foi proposto por Achille Mbembe e refere-se à ação do Estado no controle direto ou indireto sobre segmentos da população que devem viver ou morrer. Nesta pesquisa, o termo trata da política colocada em prática por agentes ou instituições, públicos ou privados, determinando aqueles que teriam maior ou menor probabilidade de sobreviver durante a pandemia de covid-19 no Brasil.
Necrossistema: Um necrossistema é formado por um conjunto de instituições e agentes que atuam articuladamente no controle sobre a vida e a morte das pessoas para estabelecer e ampliar seu poder sobre corpos, comunidades e a sociedade em geral. Nesta pesquisa, denominamos de necrossistema da pandemia de covid-19 no Brasil o sistema coordenado e alinhado por agentes ou instituições, públicos ou privados, que atuaram com o intuito de se aproveitar da grave crise sanitária e social para demonstrar força, impor narrativas e condutas e ampliar seu poder.
Nível de risco da pandemia: A avaliação de risco é fundamental para orientar tanto as políticas de saúde pública quanto as decisões individuais. As evidências coletadas indicam que, desde o início da pandemia, no Brasil, diferentemente de outros países no cenário internacional, o governo federal e outros agentes, públicos ou privados, divulgaram desinformação que minimizava os riscos da pandemia de covid-19. Trata-se de manifestações públicas que veiculavam concepções equivocadas sobre o grau de transmissibilidade, a gravidade e as medidas de saúde pública e de comportamento individual fundamentais para prevenção, proteção da população e sobrevivência coletiva.
O que é o vírus: Quando a pandemia chegou ao país, ainda havia um conhecimento muito limitado sobre o vírus e suas características. Além do desconhecimento da ciência sobre o novo fenômeno, as evidências indicam que a disseminação de informações falsas, que contribuíam com a desinformação, e disputas com relação às definições sobre o vírus, dificultaram a implementação de ações adequadas de prevenção e tratamento, ampliando a crise e a exposição de parcelas da população ao vírus.
Omissões e conivências: As omissões e as conivências de agentes ou instituições, públicos ou privados, durante a pandemia de covid-19 no Brasil geraram sérias consequências à população, especialmente, para os segmentos mais vulneráveis, que necessitavam de políticas e ações públicas de prevenção e proteção. Há diversas denúncias que devem ser investigadas.
Organização Mundial da Saúde (OMS): A Organização Mundial da Saúde (OMS) teve um papel fundamental no enfrentamento da pandemia de covid-19, disseminando orientações, informações, conhecimentos, protocolos e alertas para todos os países. Ao ignorar, criticar, desinformar sobre esses conteúdos, o governo Bolsonaro e seus apoiadores foram responsáveis pela propagação de diversos equívocos e erros cometidos na gestão da crise sanitária.
Quem vai morrer ou viver: Durante a pandemia de covid-19, líderes da administração da saúde pública adotaram medidas segregacionistas e discriminatórias, dividindo as pessoas entre economicamente ativas, jovens, saudáveis e, portanto, consideradas úteis para o governo e para o país, e, de outro lado, indivíduos idosos, obesos, povos indígenas, grupos de risco, pessoas em situação de rua e doentes com comorbidades. As estratégias implementadas acabavam por dizimar populações do segundo grupo — o que evidencia crimes cometidos contra a humanidade.
Tratamento em internados: A pandemia de covid-19 chegou ao país quando ainda havia pouco conhecimento sobre o vírus, a doença e as formas de tratamento. Apesar do grande esforço da comunidade médica e científica para o enfrentamento da grave crise, em especial dos profissionais da saúde da linha de frente, houve disputas de interesses e situações de negligência no tratamento de internados em hospitais. Movidos por interesses econômicos e políticos, agentes ou instituições, públicos ou privados, como planos de saúde e entidades médicas, atuaram na contramão da ciência e da defesa da vida.
Tratamento precoce: O “tratamento precoce” foi um termo amplamente divulgado durante a pandemia no Brasil, referindo-se à administração de medicamentos, como a hidroxicloroquina e a ivermectina, sem comprovação científica para prevenir ou tratar a covid-19. O governo Bolsonaro, algumas entidades médicas, empresas e planos de saúde defenderam o suposto tratamento como a principal medida para combater a pandemia, mesmo após advertências de especialistas e de organizações de saúde nacionais e internacionais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não recomendam o uso desses medicamentos para o tratamento da covid-19, após estudos clínicos demonstrarem que não há benefícios, mas sim riscos significativos. Estimular o uso de medicamentos ineficazes provocou a não adoção de medidas comprovadas cientificamente de prevenção pela população, como o uso de máscaras, o distanciamento social e a vacinação.
Universidades e institutos de pesquisas: Alvos recorrentes de discursos difamatórios e ataques negacionistas e da extrema direita que ocupou o governo federal no período da pandemia de covid-19 no Brasil, as universidades e os institutos de pesquisas tiveram papel fundamental na defesa da vida, atuando na linha de frente nos hospitais universitários, nas pesquisas para desenvolvimento de vacinas e tratamentos, e também com inúmeras ações de apoio à população, especialmente aquela mais vulnerável, na defesa e na garantia de direitos, no combate à fome e na divulgação de informações embasadas cientificamente.
Uso de máscara: Desde o início da pandemia, o então presidente Bolsonaro repetidamente desconsiderou o uso de máscara de proteção e afirmou que seu uso não era eficaz. Suas declarações contradiziam as diretrizes de órgãos de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomendava o uso de máscara como uma das principais medidas para conter a disseminação da covid-19. A postura do governo em relação às máscaras teve consequências significativas, pois contribuiu para disseminar desinformação, levando parte da população a questionar tal recomendação e a rejeitar esse simples e eficaz meio de proteção. A negação das máscaras estava alinhada com uma abordagem mais ampla de minimizar a gravidade da pandemia — o que contribuiu para a disseminação do vírus.
Vacina: O tema da vacina é certamente um dos mais destacados, por ser historicamente alvo de negacionismo científico e de disputas de interesses, em contraposição à proteção e à defesa da vida. Na pandemia de covid-19, no Brasil, assim como ocorreu em outros países, foi disseminado um grande número de desinformação a respeito do tema. O atraso na compra de vacinas pelo governo Bolsonaro, quando estas já estavam disponíveis, foi crucial para ampliar o número de mortes. As teorias conspiratórias e as mentiras sobre os riscos das vacinas seguem sendo divulgadas, com impactos importantes até a atualidade, gerando um crescimento da hesitação vacinal na população de nosso país, que é reconhecido mundialmente, há décadas, pela abrangência e efetividade de sua política nacional de vacinação.