O que é o necrossistema na pandemia de covid-19?
O prefixo necro tem origem no grego nekros e significa morte. Um necrossistema é, portanto, formado por um conjunto de instituições e agentes que atuam de forma articulada para controlar a vida e a morte da população, estabelecendo e ampliando seu poder sobre corpos, comunidades e a sociedade. Estudos mostram que havia um sistema coordenado e articulado, que atuou para desinformar, manipular e expor desnecessariamente as pessoas ao vírus e ao risco de morte, durante a pandemia de covid-19 no Brasil, buscando aproveitar a grave crise para impor narrativas e condutas negacionistas.
Em diálogo com o conceito de necropolítica, proposto pelo historiador camaronês Achille Mbembe, o acervo do necrossistema traz a público um conjunto de registros contendo discursos e condutas negacionistas, disseminados no período de 2020 a 2022, contrários à ciência e à defesa da vida. Como apontam estudos do
Centro de Estudos de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (CEPEDISA/USP) e o Relatório da CPI da Pandemia (2021), juntamente com irregularidades, fraudes e desvios de recursos, os discursos e as condutas anticiência do governo de Jair Bolsonaro e de sua rede de apoiadores contribuíram para a ocorrência de diversos crimes, inclusive contra a humanidade.
Alguns dos principais temas do Acervo:
O Acervo
O acervo multimídia é um repositório digital gratuito e aberto ao público, disponibilizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) reúne um extenso conjunto de materiais que evidenciam condutas e discursos negacionistas de diversos agentes públicos e privados durante a pandemia de covid-19 no Brasil (2020-2022), intensificando a tragédia de saúde pública em um momento crítico da nossa história.
A curadoria documental foi realizada coletivamente, envolvendo pesquisadores/as, estudantes, técnicos/as, professores/as e parceiros/as, com um rigoroso processo de organização, descrição, classificação e indexação. O material também passou por revisões individuais e coletivas, contemplando aspectos de conteúdo, jurídicos e de padronização.
O acervo está estruturado em 17 temas — tais como Uso de máscara, Contágio e Imunização de Rebanho, Tratamento Precoce, Lockdown e Impacto na Economia, Ética e Autonomia Médica, Caso Manaus, entre outros — e 16 categorias de agentes/atores envolvidos, com registros documentais em formatos de áudios, vídeos e textos. O repositório será continuamente ampliado, com novas colaborações enviadas ao projeto, e os itens podem ser acessados pela navegação por temas e por agentes/atores, como também pelo sistema de busca para acesso direto aos conteúdos.
Alguns itens do acervo contêm discursos ou condutas anticiência e, por essa razão, são identificados com um selo que alerta sobre a presença de desinformação ou de posicionamentos contrários às evidências científicas. Considerando o papel do acervo no combate à desinformação, esses itens também recebem uma seção intitulada “O que diz a ciência”, na qual são esclarecidas as informações falsas ou imprecisas, com base nas evidências científicas disponíveis no período em que o discurso ou a conduta ocorreu, além contextualizar o fato ao consenso científico estabelecido desde então.
Mais do que um repositório, o Acervo da Pandemia é uma ferramenta fundamental para preservar a memória, combater a desinformação e fortalecer a luta por justiça e reparação. O projeto foi desenvolvido por pesquisadores e estudantes das universidades federais de São Paulo e do Rio de Janeiro (Unifesp e UFRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que integram o Centro de Estudos SoU_Ciência, e contou ainda com a colaboração dos grupos de mídia independente Medo e Delírio em Brasília e Camarote da República, além de entidades como a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (AVICO Brasil) e o Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP (CEPEDISA/USP).
O material está acessível em plataforma digital baseada em WordPress conectado com o plug-in e o tema do Tainacan, um software livre voltado para repositórios de informação e acervos digitais, utilizado por museus, arquivos e bibliotecas, e desenvolvido pelo Laboratório de Inteligência de Redes da Universidade de Brasília, com apoio da Universidade Federal de Goiás, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e do Instituto Brasileiro de Museus.
Este acervo é um chamado para que tragédias como as da pandemia de covid-19 no Brasil nunca mais se repitam em nossa história. Memória, verdade, justiça e reparação são pilares fundamentais para garantir um futuro em que a vida prevaleça sobre a política da morte.
Documentos que embasam o projeto
Os documentos citados a seguir são referências fundamentais da pesquisa realizada para dar vida a este acervo. Este projeto busca somar esforços aos trabalhos pioneiros e corajosos de pesquisadores e pesquisadoras, legisladores e legisladoras, familiares de vítimas, cidadãos e cidadãs do nosso país em defesa da vida e na luta por memória, verdade, justiça e reparação dos crimes ocorridos na pandemia de covid-19 no Brasil.

Relatório da CPI da Pandemia
O Relatório da CPI da Pandemia, aprovado pela Comissão Parlamentar de Inquérito em 26 de outubro de 2021, tem o objetivo de relatar os resultados das apurações sobre as ações e as omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia de covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas, com a ausência de cilindros de oxigênio para os pacientes internados, e as irregularidades em contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos, assinatura de contratos com empresas de fachada para prestação de serviços genéricos ou fictícios, entre outros ilícitos, bem como outras ações ou omissões cometidas por administradores públicos federais, estaduais e municipais no trato com a coisa pública, durante a pandemia.

Relatório do CEPEDISA/USP
O Relatório do CEPEDISA USP, com a “Linha do tempo da estratégia federal de disseminação da covid-19”, publicado em maio de 2021, é resultado de estudo elaborado no projeto de pesquisa intitulado “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à covid-19 no Brasil”, desenvolvido pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a organização não governamental Conectas Direitos Humanos e com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), com o objetivo de coletar as normas federais e estaduais relativas à covid-19 e avaliar o seu impacto sobre os direitos humanos no Brasil.
Percepção pública sobre justiça e reparação
Pesquisa nacional de opinião pública realizada pelo SoU_Ciência e Instituto Ideia entre 5 e 10 de junho de 2023, com 1.295 entrevistados em todo o país via telefone, mostra o apoio da população aos julgamentos dos crimes da pandemia e à luta por verdade e justiça:
Você acha que os eventuais crimes associados às mais de 700 mil mortes na pandemia devem ser julgados e condenados?

Fonte: SoU_Ciência/Instituto Ideia (margem de erro de 3%).
O que você acha que deve ser feito sobre os crimes da pandemia?

Fonte: SoU_Ciência/Instituto Ideia (margem de erro de 3%).
O Mapa
O mapa “Necrossistema na pandemia de covid-19 no Brasil” é um produto complementar, criado a partir deste projeto de pesquisa. Trata-se de um mapa multimídia que retrata os agentes que atuaram contra a vida e a ciência. Em um “tabuleiro” que simboliza o negacionismo científico, esses agentes da necropolítica emergem em meio a uma atmosfera tenebrosa, em que a lua, com as espículas do SARS-CoV-2 (vírus causador da covid-19), ilumina uma “terra plana” devastada pelo obscurantismo. Os links e QR Codes do mapa permitem acessar materiais audiovisuais inéditos, compilados em parceria com o grupo de mídia independente Medo e Delírio em Brasília, que revelam falas e ações dos agentes da política da morte.

Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (SoU_Ciência)
O Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência é um Grupo de Pesquisa multidisciplinar cadastrado no CNPq, sediado na Unifesp, dedicado à defesa da vida, da ciência, das universidades públicas, da democracia e dos direitos humanos. Composto por uma equipe de pesquisadores e pesquisadoras de todos os campi e de outras universidades, com histórico de pesquisa, inovação e gestão em Educação Superior e Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), o SoU_Ciência conta com um Conselho da Sociedade, com entidades do setor e movimentos sociais populares, e um Comitê Científico de alto nível, com representação nacional e internacional.